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PF diz que filha de desembargador ganhou R$ 920 mil por intermediar alvará dado pelo pai

Operação foi desencadeada pela PF e Receita Federal no ano passado - Crédito: Arquivo/Divulgação Operação foi desencadeada pela PF e Receita Federal no ano passado - Crédito: Arquivo/Divulgação

A advogada Renata Gonçalves Pimentel, filha do desembargador Sideni Soncini Pimentel, recebeu R$ 920 mil para intermediar a liberação da venda de uma fazenda pertencente ao espólio de Darci Guilherme Bazanella. A propriedade rural, denominada Fazenda Santo Antônio, é localizada no município de Corumbá e estava bloqueada por dívidas de ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações), que teve a venda autorizada pelo pai dela. 

O relato faz parte das provas apresentadas pela Polícia Federal ao STF (Supremo Tribunal Federal), após o cumprimento de mandados de busca e apreensão durante a Operação Ultimo Ratio, desencadeada em outubro do ano passado, investigando suspeita de venda de sentenças dentro do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). 

Na época, os desembargadores Alexandre Bastos, Marcos José de Brito Rodrigues e Valdimir Abreu da Silva, além de Sideni, foram afastados das funções por decisão do ministro Francisco Falcão. 

Nas conversas citadas pela polícia, Renata não aparece como representante de qualquer parte no caso, chamando a atenção pelo valor recebido. 

“Renata Pimentel não consta como parte nem como procuradora, ou seja, tal minuta de compra e venda da Fazenda Santo Antônio em inventário, no valor de R$ 20 milhões, não informa qual o envolvimento dela em tal negócio”, diz trecho da denúncia.

Diálogos de aplicativo de mensagens encontrados no celular de Renata e analisados pela PF, apontam para a possibilidade de ela ter lucrado com a situação. 

A decisão que autorizou a venda da fração da fazenda por R$ 20 milhões, ocorreu no dia 14 de maio de 2024, após longa negociação e duas ações negadas em 2021 – uma pela Justiça de Campo Grande e outra pelo TJMS - para desmembramento. 

Cronologia

O espólio de Darci havia entrado na Justiça para conseguir o alvará em 2021, quando foi negado pela 6ª Vara de Família e Sucessões de Campo Grande, e também pelo TJMS, através do relator Lúcio R. da Silveira, na época em substituição a Sideni. 

No ano seguinte, o advogado do espólio teria procurado Renata na tentativa de, segundo a PF, intermediar a liberação do alvará para a negociação da área com o comprador, representado pelo também advogado Gabriel Affonso de Barros Marinho. 

Durante as negociações, a filha do desembargador cita um repasse que deverá ser feito a Gabriel para que o negócio entre as partes seja firmado, sem o risco de ‘melar’. Na mesma época, um grupo de whatsapp é criado para que os envolvidos se comuniquem. 

Após o acordo entre as partes, deu-se início a nova tentativa de oficializar a liberação do alvará para a venda da parte da fazenda no espólio. 

De acordo com a Polícia Federal, em 23 de março de 2023, o advogado Júlio Greguer, que atua como procurador do espólio, requereu novamente a expedição de alvará para venda da fração da Santo Antônio. 

Sete meses depois, em 23 de outubro, o juiz de primeiro grau indefere tal pedido e em 14 de dezembro do mesmo ano, Júlio recorre por meio de agravo de instrumento, até que em 24 de maio de 2024 “é proferida decisão pelos desembargadores Sideni Pimentel (Relator), Vladimir Abreu e Júlio [Roberto Siqueira] Cardoso [aposentado], deferindo a alienação da fração da Fazenda Santo Antônio”, relata a PF no documento.

“Somando o acima exposto à decisão proferida por Sideni Pimentel em 14/05/2024, que autorizou a venda da fração da Fazenda Santo Antônio sob propriedade do espólio, a nosso ver, fica demonstrado que Renata Pimentel recebeu, em 24/10/2022, R$ 920 mil a título de venda das decisões a serem proferidas por seu pai e pelos desembargadores Julio Cardoso e Vladimir Abreu que permitissem a transmissão da propriedade a Claudio Bergmann [comprador das terras]. O lapso temporal entre tais datas (um ano e sete meses) não afasta a conclusão acima, pois era necessário o andar do processo de inventário para que a questão fosse novamente submetida à câmara cível de Sideni Pimentel”, aponta a investigação da Polícia Federal.

Ultima Ratio

Operação Ultima Ratio desencadeada em 24 de outubro do ano passado foi desencadeada pela PF (Polícia Federal) e RFB (Receita Federal do Brasil), cumprindo 44 mandados de busca e apreensão nas cidades de Campo Grande, Cuiabá (MT), Brasília (DF) e São Paulo (SP) com objetivo de investigar possíveis crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul. 

Cinco desembargadores do órgão também acabaram afastados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

São eles Marco José de Brito Rodrigues, Vladimir Abreu da Silva, o presidente Sérgio Fernandes Martins [que conseguiu retornar após habeas corpus], Alexandre Aguiar Bastos e Sideni Soncini Pimentel.

Na época, o TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) também confirmou o afastamento do conselheiro e corregedor-Geral do órgão, Osmar Domingues Jeronymo, citado na operação. 

Origem

De acordo com a investigação a operação desencadeada é fruto dos trabalhos de apuração que se iniciaram a partir da apreensão de documentos durante a Operação Mineração de Ouro, deflagrada em 2021, envolvendo conselheiros do TCE-MS.

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